11/10/2015

Bukowski – Histórias da Vida Subterrânea (RS)




É a verdade o que espanta em Bukowski – Histórias da Vida Subterrânea. O homem existiu. Sua história existiu. Suas palavras existiram. Ao assistir a peça não soube diferenciar o que mais chamou minha atenção: o homem e sua forma de ver o mundo ou a excelente montagem do grupo Depósito de Teatro. Sem dúvida, os dois. Fui profundamente tocado por essa montagem, não sabia o que esperar, pensei, inclusive, que eu não ia gostar. Muito pelo contrário, me diverti, me emocionei, ri, aprendi.


A cena em que os pais de Bukowski aparecem me marcou e a partir dali eu tive a certeza de que o espetáculo só iria crescer e foi exatamente assim. Comecei a refletir sobre todos esses meninos, meninas, jovens e até mesmo adultos que não se ajustam ao mundo como ele está, que têm muita dificuldade em representar o teatro que todos nós formamos e conservamos, século após século, com direito a normas de conduta, o que é certo e errado, um sistema econômico brutal no qual ou você se ajusta ou você margeia a sociedade. Está certo que essas pessoas não fazem parte da parcela hegemônica social, mas antes, contra hegemônica. Representam tudo aquilo que está contra o sistema massivo e manipulador que podemos chamar de “Matrix”, fazendo uma referência ao filme. Se essa parcela pode ser comparada a um vírus, a questão é como ser um vírus na célula, ao invés de fora dela. 


Bukowski encontrava no álcool e no tabaco uma forma de sobreviver a um mundo hipócrita: silenciosamente violento e profundamente reprimido. Também gostava de mulheres e é interessante como algumas viam seu trabalho: com desprezo, deboche, dizendo “até mesmo eu consigo escrever isso!” – frase que já ouvi de muitas pessoas e tenho sempre a mesma reação: “- Então por que não é você no lugar dele?!”, sabe? – às vezes desvalorizando momentos alegando que ele só queria matéria prima para seus escritos.




A verdade é que não importa o quanto Bukowski se destrua, não importa o quanto ele fale mal do mundo ou mesmo não veja um futuro digno: não importa. Ele está ali. É um ser como nós e ao mesmo tempo diferente. Incrível. Adoraríamos ter um tio como ele ao mesmo tempo em que detestaríamos. Bukowski não passa despercebido e faz impossível que o ignoremos ou às suas palavras, nem que seja para rotulá-lo de “maldito”.


O cenário é realista e composto por muita sujeira, várias garrafas vazias, carteiras de cigarro amassadas, cigarros abertos espalhando tabaco, mesas, cadeiras e uma parte de uma residência que é o local aonde morava Charles Bukowski, com uma escrivaninha, uma geladeira e outros apetrechos. Tudo isso ajuda na atmosfera criada pela peça, mas eu ouso dizer que o trabalho da companhia Depósito de Teatro é de um nível tão bom, que dispensa todo o cenário, por si só os atores já conquistam o interesse da plateia e a atmosfera de caos, destruição, desordem, e rebeldia contra o sistema capitalista. Entretanto, por incrível que pareça, a característica mais marcante da montagem não é nenhuma destas e sim o toque profundo de humanidade que o poeta tinha em si – essa é a tônica essencial da peça e é o que faz ela ser tão digna de elogio.


Toda a estrutura narrativa da peça, que é não linear, em conjunto com as atuações efervescentes, cheias de entrega, paixão e verdade – especialmente a de Roberto Oliveira e da atriz com a personagem de voz rouca e muito doente, na cama -  intensificam o poder de qualidade e o valor autêntico dessa obra que eu recomendo. O aspecto que eu aprofundaria mais é a infância, adolescência e juventude de Charles Bukowski, especulando com carinho toda a formação desse homem, a origem de suas indignações, frustrações e insatisfações. Assim como a origem de seu espírito revolucionário, sua coragem de falar e viver seus próprios ideais, a força de suas palavras e também a repercussão delas. Muito importante ressaltar a minuciosa pesquisa do grupo, realmente mergulhando no mundo de Bukowski e consolidando uma peça teatral fiel à história e à literatura de um homem que dizia que tudo o que escrevia era autobiográfico.


Por Guilherme Nervo




Ficha técnica

Direção e dramaturgia: Roberto Oliveira
Elenco: Aline Armani, Cris Eifer, Elisa Heidrich,  Marcelo Johann, Pitti Sgarbi e Roberto Oliveira
Trilha sonora: Francine Kliemann, Roberto Oliveira e Kevin Brezolin
Produção executiva: Joice Rossato
Iluminação: Fabiana Santos
Cenografia: Modesto Fortuna
Figurino: Elisa Heidrich
Operação de som e vídeo: Fernanda Fávero
Duração: 80min


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