13/02/2010

alguém têm que propor



Caminhar até o Teatro Renascença é uma pernada que faz bem. Principalmente se o teu ponto de partida é o Mercado Público, melhor ainda se for acompanhado. Temi não conseguir ingressos ao ver o mundaréu de espectadores no salão. Bendita seja Deborah Finocchiaro com sua comédia “O Urso”, a qual dividiu o público. O público de “TÁ EAÍ?!” é diversificado, mas sobretudo jovem. Não é difícil perceber uma galera que não costuma ir ao teatro, ir.

O cenário mal iluminado apresenta um apartamento masculino e desleixado. O dono do AP é o seu Mauricião, o figurante título da peça com participação especial, diria até mesmo que mais especial do que a participação de Felipe de Paula (mentira). A trilha sonora prioriza o popular, indo do rock and roll ao funk. Toda a concepção do espetáculo é essencialmente jovem, não há regras de vestimenta ou conduta, senão as regras do jogo. O próprio mediador Júlio Conte (de paletó, bermuda e all star) nos passa o espírito e a graça de ser jovem. O elenco de rapazes (patifes) não poupa a eletricidade nem o fluxo constante de ideias. Sempre julguei o primado da improvisação e a “Stand-up comedy” um entretenimento honesto e de pouco espaço no mercado do teatro. Talvez a situação esteja mudando. Que mude! Feliz foi a montagem do Clube da Patifaria em solo gaúcho, que muito remete à Cia Barbixas de Humor, os caras que fizeram muito sucesso no Youtube e na televisão.

A platéia rompe sua condição de passividade ao sugerir cenários (praia, estádio de futebol, sex shop, mercado) e situações conflito (caso com o goleiro, traição, assalto), colocando-se em posição de contínua interação.
Fiz um top 6 dos jogos que fizeram a minha (não só a minha) gargalhada rolar solta: Abecedário, Letra de Música, Troca, Transforma, Só Perguntas e Porque.

O elenco não tem larga experiência e aparenta não precisar dela para divertir o público. Quem não tem o que propor, não propõe. Mas alguém têm que propor! Seja fominha ou não. Falando em fominha (aqueles que roubam o foco), tenho que ressaltar a atuação persuasiva e sagaz de Rafael Pimenta (um dos muitos nomes dele é Caramelo) e Eduardo Mendonça. Que a proposta do Clube Patifaria perdure.

Saí mais feliz do Teatro Renascença do que entrei.
troca
Saí chorando do Teatro Renascença.
troca
Saí chapado do Teatro Renascença.
troca
Saí eufórico do Theatro São Pedro.
troca
Não saí do Teatro Renascença.

06/02/2010

Tempo Tempo Tempo Tempo



A primeira vez que tive contato com "BAILEI NA CURVA", foi no auditório do Colégio São José, em São Leopoldo. Me encontrava com dez anos, na quarta série. A peça tinha direção da minha primeira professora de teatro, chamava-se Carina. Lembro de ter rido muito, principalmente na cena da educação sexual dada pela professora, uma freira. O que era muito relevante num Colégio essencialmente de freiras.

Depois disso, nunca mais ouvi falar da peça. Todavia, ontem fui ao São Pedro e assisti à "Bailei Na Curva", dirigida por seu diretor e roteirista legítimo, Júlio Conte. O espetáculo mais popular do teatro gaúcho, completa em 2010 vinte e sete anos. Não é apenas popular, senão regionalista e autobiográfico. Isso porque, na década de 80, Júlio Conte reuniu 8 atores e atrizes com a finalidade de confrontar um período de ditadura. o embrião foi lançado numa sala de 30 metros quadrados
no centro de Porto Alegre. Naturalmente o elenco atual está inteiramente modificado, mas o enredo e o tempo/espaço permaneceram: sete crianças, vizinhas da mesma rua de Porto Alegre, compartilham a ingenuidade e as descobertas desde a infância até a juventude, passando pelo Golpe Militar de '64 até as Diretas Já em 1983 (ano de estréia da peça original).

O protagonista não tem falas nem marcações, sendo ele a eterna passagem do tempo. Como diria Caetano Veloso, o tempo é um dos deuses mais lindos. Eu digo que o tempo cura, fere, amadurece e, acima de tudo, modifica. O primeiro beijo segue a primerira frustração amorosa, a primeira aventura de carro. Então surge o protesto e o idealismo. As coisas parecem tomar rumo quando entramos vida universitária e
encontramos emprego. Eis que a barriga cresce e (surpresa!) os amantes são agora mãe e pai ou um dos amantes morre e o outro estreita sua relação com a solidão. Há surpresa até mesmo nas curvas, onde podemos bailar em qualquer instante. Pedro, assim como muitos outros, bailou. Basta uma distração para ser roubado, ou mesmo baleado. "- Mas tudo vai melhorar com o Tancredo.", dizia Ruth, esperançosa. Gabriela feria sua esperança tocando em Sarney.

Júlio Conte possui um ótimo elenco na nova montagem: Cíntia Ferrer, Érico Ramos, Evandro Elias, Ian Ramil, Juliana Brondani, Leonardo Barison, Melissa Dornelles e Patrícia Soso. Todos com atuações no mesmo nível de qualidade, mas talvez eu faça ressalvas para com Juliana Brondani (Luciana e Marília) e Leonardo Barison (Caco e Rodrigo). Entre as mulheres, Patrícia Soso (com sua voz aguda) rouba o foco nas cenas de humor. Melissa Dornelles (Elvira e Ruth), em contrapartida,utiliza-se do grave para fazer rir, e faz. Entre os homens, Ian Ramil (Paulo Renato e Freira) me pareceu o de maior carisma. A carta-poesia escrita pela personagem de Cíntia Ferrer em homenagem à Pedro apresenta-se como um dos pontos altos da peça, é funcional e emociona. Entretanto, imagino que funcionaria melhor na voz de Melissa Dornelles, se bem projetada.

Saindo do São Pedro com passos largos para não perder o último trem, meu namorado perguntou se eu havia gostado da peça. Respondi que sim, havia adorado. Completei minha resposta adicionando que talvez não a achasse assim, não fosse a condição de ser brasileiro e, mais que isso, gaúcho. Me pego olhando para a montagem atual de "Bailei Na Curva" como quem olha para um quadro impecável, porém em decomposição. Quadro esse que um dia teve suas cores e pinceladas muito mais vivas, a ponto de saltar da tela. Em 2010, pergunto-me: onde terá ficado a sincronicidade entre a peça e o momento histórico?

Horizontes...