29/11/2009

Dez centavos a letra, um real a palavra



O céu nublado e a ameaça de chuva no último sábado (21 de novembro) não foram páreos aos encantos do Grupo Mototóti, que encenava seu primeiro espetáculo de rua: "O VENDEDOR DE PALAVRAS", escrito por Rodrigo Monteiro.

Carlos Alexandre e Fernanda Beppler, ao lerem a crônica de Fábio Reynol, idealizaram uma peça. Não de palco, mas de rua. A crônica, devidamente adaptada, foi entregue ao grupo no final de 2008.

O tema (incentivo à leitura) se mostrava importante ao mesmo tempo que arriscado. Risco esse contemplado com uma peça de boníssimo humor e leveza. A proposta teve retorno artístico principalmente pelo nível de profissionalismo dos atores, sabendo aproveitar o que quer que fosse, com agilidade e dinâmica. O figurino e o cenário, aparentemente caseiros, baseavam-se em tecidos coloridos, colagens, máscaras, placas e instalações.

Bom seria se eu pudesse dizer que Carlos e Fernanda foram maravilhosamente guiados por Arlete Cunha, sem que um deles sobressaísse. Acontece que minha opinião difere: por vezes Fernanda rouba o foco. Destaco a notável presença de palco e a comicidade física.

Interessante que o incentivo à leitura já começa no próprio figurino dos personagens, repleto de colagens com as mais diversas palavras. Felizmente essa aura de letras não limita-se apenas à estética.

João só é João com Maria; Romeu com Julieta; e Milho com Espiga. Milho é um apaixonado pelas letras. E, assim como sua amada, Espiga, trata-se de um sonhador.
Todo sonhador possui um sonho, também chamado de ideia, qual pode tornar-se em uma ideologia. Nesse caso, a ideia era ir para a Capital. A ideologia, difundir novos pensamentos com a venda de palavras. Afinal, como o próprio Milho diz: "- As pessoas possuem tão poucas palavras que limitam-se a repetirem as mesmas."

Enquanto os jovens sonhadores empolgam-se com a empreitada, as máscaras colocadas indicam que novos personagens acabam de surgir: Adam, o inglês sofisticado, e Odete, a alemã rústica. Inicia-se então uma discussão permeada de controvérsias e ciúmes entre os avós. Era a batalha entre Shakespeare e Goethe.

Recordo de algumas cenas-chave em que o nível de humor era bem adequado: o não-beijo na estação de trem, a apresentação do "Gãgou" (Google) e o contato de Odete com o mundo virtual e suas nomenclaturas esquisitas. A trilha sonora é de bom gosto, constituída de gaita e violão. A projeção vocal é bem trabalhada, não lembro de ter perdido alguma fala.

Já na terra prometida, onde se lê Mercado Público, deparamo-nos com um confronto entre o vendedor de palavras e o "vende-tudo", ou camelô, personagem engraçadíssimo, muito bem interpretado por Carlos Alexandre. Ele censura: "- Mas as palavras pertencem à todos, não pode vendê-las." A resposta logo vem: "- Quem não sabe o que uma palavra significa, não a possui." Sentença coerente, mas com um quê de engraçada. Ou deveria dizer histriônica? Talvez comicamente vil ou charlatã.

"O Vendedor de Palavras" não decepciona, dá gosto de lhe ser assistido!

Pois bem, agora minhas palavras merecem um descanso, uma folga, um repouso, um sossego. Por hoje, compras feitas.

28/11/2009

Tão feia que chega a ser bela



Dispensando condições meteorológicas, vamos ao que interessa: texto de Moacyr Scliar, direção de Guilherme Piva e interpretação de Inez Viana; o monólogo carioca com dois anos de caminhada revela a feia mais linda que pôs os pés no caríssimo Teatro do Sesc: "A MULHER QUE ESCREVEU A BÍBLIA". A enxurrada de homens e mulheres que adentravam o teatro na segunda-feira (14/09), começava a surpreender: não apenas pela quantidade, mas pela aparente descentralização de público que ali havia; avistei um bom número de adolescentes.

“Tem algum Napoleão aqui hoje? Alguma Cleópatra? E Joana d’Arc? Eu gosto de Joana d’Arc. Tem Pelé por acaso?”

O cenário, uma larga pedra. O figurino, uma bonita composição de trapos que variavam do bege ao salmão, feita por Rui Cortez. Sentada na pedra, Inês conta-nos que descobre ter sido uma das 700 esposas do rei Salomão, há três mil anos atrás. Ora, que há de mal nisso? O que há de vir, caro leitor. O detalhe que há de vir: a feiúra.

Inez rodopia pelo palco cantando uma versão engraçadíssima de “Somewhere Over the Rainbow”, assim mergulhando no passado: a partir daí encarna todas as personagens que tiveram alguma ligação com a sua triste, isto é, feia história. Seu pai era o patriarca de uma fazenda, a riqueza resumia-se a algumas cabras e uma pequena propriedade. Ao se dar conta do rosto assombroso que tinha, tentou suicidar-se. Não o fez, pois tinha medo de comprometer a caveira.

“Tornei-me eremita”

Eremita que não tardou a ter um tórrido romance com a larga pedra. Nomeava os orgasmos como verdadeiros terremotos corpóreos. Mas, como qualquer um, apaixonou-se. Não pela pedra, que fique claro. Por um belo pastorzinho! Indignada ficou ao saber que o mesmo há muito namorava sua irmã, a bela. O pai, quando lhe contaram, apedrejou o pastorzinho, que foi embora. Logo mais, chega um escriba na fazenda. Detalhe: um escriba muito feio. Destaque para o ótimo trabalho corporal da atriz, desenvolvido por Isabel Themundo. Empolgadíssima com a idéia “de um novo caralho”, nossa mulher entra na tenda do escriba; que para sua surpresa, queria apenas lhe ensinar a escrever.

A feia letrada rasgava os papéis com a tinta da liberdade. Habilidade essa, que transpirava beleza. “Entrei em estado de permanente e etérea embriaguez”. E eis que chega uma carta anunciando que o fazendeiro devia ceder sua filha mais velha para tornar-se uma das esposas do rei. Pomposa, a feia em ascendência parte. Temerosa, cobre o rosto com espesso véu, que lhe dava um olhar recatado e sedutor. Ao entrar no harém, depara-se com uma infinidade de mulheres a fofocar.



Enlouquece pela imagem máscula e vertiginosa de Salomão, ao passo que após alguns dias ele a chama para a noite de núpcias. O inesperado: Salomão brochou. Sedenta e com a auto-estima arrasada, nossa mulher resolve escrever pedindo ajuda ao pai. “Ou fode, ou morre”. O rei acaba confiscando a carta, que nunca chega ao fazendeiro. Não resiste ao esplendor da carta bem escrita e decide “contratar” sua esposa para escrever a história da humanidade.

Assim promovida à esposa intelectual, começa a corrigir imperfeições como a barbárie, segundo ela, de o homem vir primeiro e a mulher “fudendo” com tudo. Também aproveitou para apimentar a relação de Adão e Eva e de jeito nenhum expulsá-los do paraíso, senão encorajá-los. Apesar de Salomão ter apreciado o texto da revolucionária, ela foi submetida à censura dos “sábios” anciãos; que radicalmente modificaram a obra transformando-a numa versão assim nomeada por ela de anti-luxúria.

O desfecho da peça se faz com um belo jogo de luzes e trilha sonora: a chegada da rainha de Sabá – para a desventura da feia – uma negra lindíssima; em conjunto da revolta do pastorzinho, que ateia fogo a um dos quartos do rei, assim queimando os pergaminhos escritos pela feia, objetivando a libertação da mesma. Os oitenta minutos de peça (que passam voando) são concluídos com a primeira noite da feia e Salomão.“Todas as posições foram exploradas”. Foi um verdadeiro banquete de amor. De manhã, no dia posterior, chega a hora da partida. Destaque para a belíssima luz (que aos poucos vai morrendo) de Maneco Quinderé.

Ficha técnica
Autor: Moacyr Scliar
Adaptação: Thereza Falcão
Concepção e direção: Guilherme Piva
Performance: Inez Viana
Música original e direção musical: Marcelo Alonso Neves
Cenário: Sérgio Marimba
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurino: Rui Cortez
Preparação corporal: Isabel Themudo
Duração: 80 minutos

Desmedido!



Na divulgação do espetáculo, a imagem lendária de Shakespeare deformada, com uma interessante (ao mesmo tempo arriscada) intervenção: lábios rubros e carnudos (Rolling Stones) e o olho esquerdo destacado com rímel (Laranja Mecânica).

Com direção de Gilberto Gawronski, a peça carioca "MEDIDA POR MEDIDA" leva a tradução de Barbara Heliodora para o texto de William Shakespeare, escrito em 1604: “Medida Por Medida”. Poder, corrupção e erros de conduta são os principais temas percorridos.

“A tragédia é representada pela certeza da morte e nosso reconhecimento de culpabilidade. A comédia é associada à fé, ao perdão e a misericórdia.”

Na terça-feira (15/09), ao acomodar-me em um dos assentos do pequeno teatro Renascença, aguardava ansioso. Eis que o pano cede: roupas exuberantes, luzes multicoloridas, trilha sonora pop/disco, sexo oral, libertinagem. De cara a ousadia inovadora e cômica da peça agradou.

O Duque, governador de Viena, passa o governo para Ângelo quando sai em viagem. Ângelo decide punir com a morte quem praticar sexo fora do casamento, e é assim que a primeira vítima é um nobre, Cláudio cuja noiva (Julieta) está grávida. Quando a irmã de Cláudio, Isabela (representada por Sérgio Maciel), clama para que a pena seja substituída, Ângelo promete voltar atrás se a moça perder a virgindade com ele. Isabela desespera-se, mas o Duque, que voltou à cidade disfarçado, consegue reverter a situação. O Duque de Viena aparece como nosso ardiloso protagonista, qual jogará com as personagens e espectadores aparecendo disfarçado de frade. Inicia a agonia da espera para o dia em que o duque volte e acabe com a confusão criada, mas ele tarda; como se quisesse apreciar o desenrolar da trama até o limite.

Não fossem a formalidade oral (discursos dirigidos ao público), os homens fazendo papéis de mulheres e o “próprio” Shakespeare (representado pelo diretor) que às vezes assoma nas cenas; ficaria impossível ligar a concepção e atmosfera instauradas pela peça para com uma obra literária do dramaturgo inglês. Não sou moralista e menos ainda conservador, mas a tentativa de dar um aspecto inovador, ousado e cômico (como citado acima); resultou em uma estética gay estereotipada que apenas diverte, nada mais. Não condeno, de forma alguma, a diversão. Há que se afirmar que ela é fundamental, mas não essencial. Se há algo que desgosto, é o riso fácil.

A falta de cenário (apesar de conter vários pilares, três entradas metálicas, dois panos e dois coringas) parece ser compensada com o figurino, que é bastante carregado visualmente. È como se houvesse uma fundição entre cenário e figurino. Creio que, parcialmente, seja a composição visual um dos pilares do espetáculo: as correntes masoquistas, a sensualidade das roupas de látex, as intensas luzes coloridas, a trilha sonora pop (que passa por Madonna, Cyndi Lauper, Queen e até mesmo Edith Piaf) e etc. Pilar este, que confirma minha convicção final: teatro divertido (às vezes sagaz), porém essencialmente morto.

Minha opinião permanece, mas não nego que gostei bastante de um comentário do RG Vogue, qual retiro um fragmento: (…) “Cria-se uma fantasia figurativa e lúdica, desmerecendo a seriedade com que esse tema poderia ser tratado. Já que o texto permite esse tom de fábula, por que não uma fábula pop e gay? É pertinente a escolha de Gawronski de, numa peça que trata de poder e sexo, tão bem alinhavados pelo mestre Shakespeare, colocar acessórios “leather” e ajudantes de palco que dançam como “go go boys”. Confesso que gosto deste abuso, de tirar os cânones do pedestal e virá-los do avesso, desde que com algum propósito em vista. Não sou adepto de se chocar só por chocar, mas quando as coisas tornam-se uma unanimidade, é preciso coragem para levantar sua voz no meio da multidão e dizer uma não-obviedade.” (…)

O final não poderia ser outro senão um jogo de luzes e confete, dança e alegria, ao som de “Like A Virgin”. Enfim a árvore natalina é findada.

Ama: Escreve. Cozinha?



Na quinta-feira (17/09), lá por volta das 19h50min, me sentei em uma das cadeiras do velho Teatro do Sesc. De fundo, uma música sutil. Pouco antes de apagarem as luzes, notei que a maior parte das cadeiras laterais estavam desocupadas; o motivo, julgo que se dê pelo pouco conhecimento do povo porto-alegrense em relação ao trabalho do grupo caxiense. Grupo este que comemora dez anos de união, a Cia. Teatral Atores Reunidos conta com a direção geral de Raulino Prezzi, direção artística de Ana Fuchs e um elenco jovem, formado por nove artistas.

Deixemos agora as formalidades descansarem enquanto descrevo um pouco da minha peculiar experiência na noite em questão: a cena de abertura de "CRU", sem dúvida a mais linda de todas, é visualmente soberba. Nus, corpos débeis são banhados por filetes de luz numa dança harmônica e poética. Há bom equilíbrio cênico, honrando o nosso caríssimo “platô”; não ouso definir a trilha sonora, mas muito me lembrava à música celta, que já ligo com ópera. Cria-se uma confusão de vozes com a primeira fala, que inclusive permeará (tal gancho) a trama do espetáculo: “Ama (pausa) Escreve”. A nudez torna-se explícita quando as luzes são ligadas, é aí que os personagens correm constrangidos.

O cenário limpo e minimalista, conta com apenas uma mesa branca. Ao decorrer da peça, notaremos quão subjetiva e sagaz (também cansativa) é a lógica escolhida. Os personagens não chegam a formar relações sólidas e a linearidade (início, meio e fim) é questionável. De um maníaco com vestes de açougueiro e gancho na mão, vamos para um casal de homens que discutem a relação na mesa. Interessante que as calças não faziam parte do figurino. Com adequado nível de jogo, o casal termina a discussão (que é permeada por longas pausas) encima da mesa, ao passo que conciliam: tango, sexo e fuga. A mesa é agora porta de transição para o território da morte, a menina de vestido branco e bebê no colo. É contada uma história nos extremos do palco, de um lado a narração, do outro a ação. O personagem que narra a história, ao enfurecer-se, demonstra o pouco preparo vocal; suas veias saltam e a pele cede ao vermelho. È possível dizer que a voz, no contexto geral, não consegue atingir a força do diálogo; resultando em falta de presença no palco e insegurança. A voz, compreendida como extensão corporal, deve ser uma aliada no trabalho cênico e não uma inimiga.

Em fileira, os atores mostram-se suspensos por cordas, como bonecos de madeira. Que naturalmente ganham vida sendo assim manipulados e logo mais libertados pela morte. Retirei o fragmento abaixo do programa do espetáculo.

“O destino de cada um está suspenso em cordas invisíveis, manipuladas por um deus, suposto ou real, que se diverte com o espetáculo que ele mesmo criou. Mas que precisa rir sozinho, pois é intangível.”

No velório de Flávia (simbolizada por um dos atores), as garotas debruçam-se sobre o caixão bradando que a mesma acordasse. Em histeria, abusam do finado como se fosse um pano velho, “um pedaço de carne carcomida”. Prostitutas, as mulheres vão revelando suas experiências com Flávia e seus conceitos sobre desejo e morte; tudo em tom fervoroso. Destaque para a coreografia cômica. Flávia acorda e o conflito é resolvido com uma morte; porém, apesar da busca nervosa por uma atmosfera de tensão, ela nunca é firmada. As palmas do público antes do término revelam que o nervosismo do elenco foi refletido em impaciência por parte da platéia.



Uma das últimas imagens, composta por todos os atores em volta da mesa, trata-se da conhecida Última Ceia – ou deveria dizer Profana Ceia? – que me remeteu à cena final do filme espanhol “Viridiana”. Os “discípulos” alimentam-se de pão e vinho, mas a fome não é saciada. E assim damos partida ao banquete carnívoro, também lascivo. Uma nova coreografia resulta em orgia, intercalada por “fotos”: pausas em que todos congelavam seus movimentos, ao passo que viravam os rostos para a platéia em tom de constrangimento e repreensão. Tudo isso num belo contraponto da luz: enquanto a metade inferior da mesa (e dos atores) era iluminada por uma luz fluorescente branca, a metade superior contava com um holofote de luz vermelha alaranjada. Trabalho impecável de Juarez Barazetti.

“A ordem mais latente, a fome mais sublime, a intangibilidade de tudo são transformadas num balé doce/macabro que escancara a presença da finitude”

A última cena, não fosse a cacofonia moralista das gravações de fundo, teria maior carga de impacto. Justamente essa tentativa de impacto, visível tanto na nudez quanto no próprio material de divulgação, não funciona como deveria. Se para alguns impacta, para outros margeia a comicidade. Nesse caso, vejo a humildade como uma das possíveis soluções.

24/11/2009

"Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás."



"Luisa se Estrella Contra su Casa" trata-se de uma das peças que eu mais tive receio de assistir. Talvez por ter formado pré-concepções ou quem sabe devido ao meu espanhol, que não existe. O público da última apresentação, no domingo (20/09), era consideravelmente grande; entretanto, meu receio permanecia. Já no Museu do Trabalho, me sentei e esperei as luzes, que logo vieram. No interior da grande casa de papelão (que ia desde Seven Boys à Rasip) ouvia-se uma voz feminina estridente. Não somente a casa era de papelão, mas também a árvore e o restante do cenário. O objetivo era simbolizar a fragilidade do lar – e da vida – de Luisa. Eis que um aspirador de pó ambulante (dei-me conta disso apenas no fim da peça) cruza o palco com sua movimentação moderada e calculada arrancando gargalhadas da platéia, que certamente apreciou a ousadia “nonsense” do personagem com cabeça de lata, o inocente Odex. Se ainda tinha alguma ponta de receio, a mesma foi exterminada quando surgiu uma figura histriônica usando saia comprida, peruca negra e sapatos gigantescos. Luisa: a palhaça sonhadora, a argentina desvairada que conquistou o público na hora.

“Eu tenho uma cabeça e a uso bastante”



Seu confidente é Odex, sempre repreendido por comprar revistas de moto. Provavelmente por Luisa estar traumatizada com o acidente de trânsito que causa a morte do namorado Pedro. Mas para o contentamento alucinado de Luisa, Pedro reaparece do além várias vezes, em busca de uma escova de dente. Como instrumento de evasão, Luisa entrega-se ao cotidiano rotineiro fazendo empreitadas em refúgios onde o tempo não passa, não há mudanças de temperatura ou stress: corre ao supermercado (a casa de papelão possui uma estrutura de rodinhas, que permite moldar o cenário desejado). Também o rádio aparece como um subterfúgio, ao passo que a protagonista está sempre censurando a melodia repetitiva do vizinho violonista, que se constitui como a trilha sonora da peça.

“Minha casa é inquieta, não perco a cabeça, mas a casa”

Até mesmo um frango ganha destaque em cena, aparece como o jantar que, surpreendentemente, está vivo. Já cansada de sua fuga, Luisa começa questionar a si mesma se não está igualmente morta; mas conclui que está deprimida pela solidão e a carência. Uma das cenas mais marcantes e de potencial dramático é a interação de Luisa com seu namorado. Empolgadíssima, diz que o ama; em contrapartida, Pedro dá um leve sorriso e diz: “-Não sinto nada”. Luisa chora. Silêncio.

Pedro e Odex fecham-se dentro da casa, os desvarios de Luisa partiam. Desolada, caminha rente à platéia. Focada em apenas um holofote de luz, transpira toda a dor que o corpo e a alma possuem, encontra-se a menos de um metro do primeiro espectador. O sorriso antes largo é agora moderado. Luisa levanta os ombros e suspira; as luzes apagam.