14/09/2014

A memória que não queima



O Theatro São Pedro foi o lugar que materializou a encenação de Incêndios em nossa cidade. O ato de ir experienciar esse trabalho no momento atual em que vivemos torna-se uma metáfora na vida de todos que estiveram lá, pois assistimos aos conflitos do oriente médio, assim como os vemos em forma de noticiário nesta noite. Logo, a encenação ao ser realizada soa como um ato político de radical força humana.



A encenação é dirigida por Aderbal Freire- Filho e conta com um elenco grande, de oito atores, que em sua maioria interpretam mais de um papel, para assim darem conta da dramaturgia e de toda história.



A aridez é um elemento visual que extrapola a magnitude do cenário- estruturas de grades vazadas, enormes, que lembram ao muro da faixa de Gaza- e envolve a interpretação, a luz, o jogo de cena. As vidas secas a partir do nó do destino feito pela guerra é aridez do silêncio da vida da protagonista, e consequentemente de todos que a rodeiam.



A história começa com o depoimento de alguém que não está mais viva materialmente. Esse é o nó inicial desta tragédia contemporânea. Vemos uma jovem perder o amor de sua vida, e ser separada de seu filho no momento do nascimento. Com isso, ela promete a sua avó não ser uma mulher que se deixa levar as forças patriarcais de sua cultura. A jovem sai da cidade e volta sabendo ler e escrever, fato que fará encontrar sua companheira na batalha por achar seu filho. Ao mesmo tempo, vemos a busca anos depois de sua família por entender o silêncio de sua mãe, a mesma jovem da qual falamos. Os filhos gêmeos vão atrás de sua história e acabam descobrindo a verdade sobre o passado da mãe. Eles descobrem que sua mãe era uma guerrilheira, que lutou pelo fim dos conflitos indo matar o seu cerne, o chefe das milícias. Assim, ficou presa e como todas as mulheres da prisão fora violada várias vezes por um mesmo homem. Ao decorrer da trama vemos que seu carrasco era seu filho tirado de seus braços há anos atrás. E a busca de seus filhos por entender o silêncio da mãe termina quando podem entregar as cartas destinadas ao seu irmão, que agora descobrem ser também seu pai.



É difícil explicitar em palavras um enredo tão bem feito, uma trama que nos conecta durante as duas horas de peça de uma forma arrebatadora. Este feito é de Wadji Mouawad, escritor da peça, que propõe uma quebra no espaço e tempo da ação, fazendo com que os tempos distintos da narrativa aconteçam ao mesmo tempo. Todavia, a direção de Freire é primorosa no que diz respeito à concretude da atmosfera do texto. As cenas são dinâmicas e com um nível alto de jogo entre os atores.



Quando refletimos sobre atuação, nos cabe dizer que os atores levam com grande energia à história com momentos de interpretações sinceras e poéticas. No entanto, os atores que interpretavam os filhos (gêmeos) da protagonista poderiam ter uma densidade maior, pois pareciam simplesmente representar a ideia dos personagens, sendo que carregavam importância no desenrolar da história.



Por fim, vemos em Incêndios a força da palavra, das promessas que fazemos e a força do destino fazendo-se presente em um universo já destroçado pelas marcas dos conflitos territoriais. Porém, o ser humano também é um caminho dentro destes conflitos e esta peça reverbera os estilhaços desses acontecimentos no cotidiano das pessoas.

Ficha Técnica: Texto: Wajdi Mouawad
 Tradução: Angela Leite Lopes
 Direção: Aderbal Freire-Filho
 Elenco: Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Fabianna de Mello e Souza Julio Machado e Isaac Bernat Cenografia: Fernando Mello da Costa
 Iluminação: Luiz Paulo Nenen
 Figurinos: Antonio Medeiros
 Trilha Sonora: Tato Taborda

 Direção de Produção: Maria Siman
 Produção Executiva: Luciano Marcelo
 Produtores: Maria Siman, Felipe de Carolis e Marieta Severo
 Produtor associado: Pablo Sanábio
 Idealização do Projeto: Felipe de Carolis Realização: Primeira Página Produções, Emerge e Teatro Poeira

Por Jeferson Cabral

Nenhum comentário:

Postar um comentário