01/10/2012

Como A Vida Continua?





(E)terno atinge os olhos e o coração porque trata de uma realidade universalmente conhecida: a perda de um membro da família. Quais são os passos para a superação? O que deve ser feito? Como a vida continua? A vida continua?

Certamente a vida não continua como antes, mas a partir do espetáculo recebemos a visão de que a continuidade da vida, como o próprio nome do espetáculo, é eterna. Assim como a lembrança é eterna. Ainda que a morte seja o grande mistério da vida, a sensação de que nossas lembranças são eternas persiste em qualquer ser humano.



Segurando um terno azul marinho, ela diz:

- Isso aqui era do meu pai.

Ela cheira, amacia e abraça o terno, na tentativa de imaginar como era – como é – o seu pai. Ela é uma criança de seis anos, uma mulher de meia idade, uma adolescente carente, uma velha resignada, é uma personagem dramática, uma atriz jovem, é a própria Tefa Polidoro. Todas são mulheres que esperam, porque a possibilidade de que a figura masculina apareça está sempre habitando o imaginário delas.

Consegui visualizar muitas figuras a partir de uma atriz com um vestido velho e manchado, representativo de uma história do passado que continua repercutindo no presente. Assim como posso ver uma criança cuidando a trilha das formigas, também posso imaginar que são abelhas ou que são animais imaginários, criados pela mente inventiva da criança. Não importa definir a que espécie pertence o animal, a que gênero ou outra categoria, o essencial é deixar-se levar pelo oceano de imagens que vão surgindo para o espectador, enquanto presenciamos uma atriz que acolhe o vazio do palco e dos próprios sentimentos, transformando-os em arte. A magia do teatro está em apoderar-se de acontecimentos íntimos que nos causaram sensações profundas e transpô-los para a linguagem cênica. Como uma homenagem. Uma forma de lidar. Um aprendizado. Uma celebração da vida.



Os dedinhos dos meus pés vazios. Não existe nada aqui, só eu, eu e o vazio.



(E)terno não precisa de cenário porque em primeiro lugar quer nos mergulhar no vazio. Somente daí nos possibilita o contato com a terra, com a grama, os balanços, o ar ou um bolo de aniversário. Só fica definido aquilo que quisermos definir porque a peça te dá uma margem de liberdade na qual a viagem de cada um é única. Penso que há dois momentos em que o espetáculo atinge seu auge: quando ela nos apresenta uma gag antiga muito explorada pelos palhaços clássicos ou mímicos, a gag do casaco, na qual existe a vívida impressão de que outra pessoa entrou em cena através de um dos braços da atriz, que é coberto pelo terno e adquire vida própria, relacionando-se com a personagem. O outro momento é quando ela repete uma linda partitura - trata-se de um mergulhar e subir do chão - enquanto diz uma frase. A frase dita num crescendo é contaminada pelo corpo que vibra até alcançar um estado de presença e perturbação que causam elevado efeito estético e emocional.



Foi um vento que passou Que te trouxe e te levou







Uma peça com apenas uma atriz em cena, praticamente sem texto dramático e com uma temática autobiográfica não é um trabalho simples. Tefa Polidoro e sua equipe realizam essa tarefa arriscada com algo a mais: qualidade! A atriz faz a plateia acreditar que o teatro não perdeu sua essência, que ainda podemos ir ao teatro e sair poetizados. O cerne do espetáculo não está nos efeitos de luz, nas projeções audiovisuais ou em maquinarias de última geração, como muito temos visto ultimamente. (E)terno é grandioso porque é um trabalho verdadeiro, de corpo e alma. Não vemos uma atriz fingindo ou se poupando, muito pelo contrário, vemos uma atriz entregue à cena e crente no seu trabalho. Há detalhes da técnica corporal da atriz que contam positivamente ao espetáculo, como seus pontos fixos, sua resistência, o trabalho de mímica e os giros. Uma vez que a técnica, o talento e a entrega se casam, temos a beleza que é (E)terno.

Ficha Técnica

Direção: Márcio Ramos Orientação de Elenco: Luciane Olendzki Atuação: Tefa Polidoro Trilha: Rafael Salib Concepção de Luz: Rafael Schizzi e Lucca Simas Figurino: Letícia Pinheiro Criação Audiovisual: Generall Produções Operador de Luz e Projeção: Lucca Simas Operador de Som: Marcos Chaves Contra - Regragem: Marcelo Pinheiro

Por Guilherme Nervo

Um comentário:

  1. Lindas tuas impressões, Guilherme!!!!!!!Obrigadão pela sensibilidade e pela força!!:))
    Beijao!!!

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