11/07/2012

Teatro Canhão

A minha principal percepção depois de assistir às cenas de William Shakespeare - dos alunos da disciplina de Atuação III do Departamento de Arte Dramática da UFRGS -, é a de que um preparo corporal apurado influencia a voz utilizada em cena. Na maioria das cenas existe um reflexo palpável das aulas de corpo com a professora Suzi Weber, das aulas de atuação com o professor Chico – que elaborou acrobacias e técnicas das artes marciais, como o tai chi chuan – e das aulas de voz com Celina Alcântara, muito focadas – da mesma forma – na exaustão do corpo. O resultado, que analisarei aqui, foi impactante e de qualidade. Entramos no Studio I e imediatamente fomos abordados por figuras que sussurravam nomes e feitiços, tentando nos levar para o centro do “palco”. Foi importante ver os personagens unidos em torno desse ritual que parecia invocar outros seres através do estado de transe. Acredito que seria uma boa forma de finalizar as cenas, com uma nova união entre eles, um ritual de despedida. O cenário se alia com o início a partir do momento que nos causa sinestesia: vários fios formam uma grande teia na qual os objetos (como facas e espingardas) estão pendurados. CENA 1 – MACBETH Macbeth – Áquila Mattos Lady Macbeth – Anandrea Altamirano
A cena começa com Macbeth correndo até o outro extremo do “palco” para vomitar sangue no chão, coberto por uma lona amarela. Macbeth não é inocente, ele deseja possuir o trono, entretanto sua mola propulsora é a sede de Lady Macbeth por sangue. Ela afirma que só não comete o homicídio pela condição de mulher, pois o que não lhe falta é determinação e força, exatamente o que sustenta Macbeth, caso contrário ele desabaria, pois sua essência encontra dificuldade em aceitar a ideia de assassinato. Nem a água mais límpida removeria as manchas de sangue de suas mãos. Áquila consegue passar o espírito perturbado de Macbeth através do corpo que treme e contamina profundamente a voz. A sensação é de que o personagem está cercado por forças ocultas que causam medo e desespero. Lady Macbeth representa essas forças, o que Anandrea captou, desenvolvendo um verdadeiro anjo negro. Mais do que no corpo, seu triunfo está na voz, profundamente contagiante, formadora de ondas de ódio e vingança. A inserção de objetos na última hora pelo professor da disciplina, Chico, foi uma escolha muito feliz. Para mim os objetos já estavam ali durante os ensaios, mesmo que imaginários; tal a destreza dos atores e das atrizes. Macbeth tem uma faca, enquanto Lady Macbeth carrega dois vasos de barro com um líquido vermelho que vai se derramando enquanto ela dá o texto. Fiquei com várias fotografias dessa cena registradas na minha mente, pois os movimentos eram muito precisos e altamente estéticos. O corpo inflava até alcançar ou romper o limite, depois murchava rápido ou lentamente e ia para outra posição. Não fosse a espontaneidade e o carisma da dupla, a cena poderia ter desenvolvido um formato coreográfico rígido. O único elemento que, apesar de causar efeito dramático, rompe com a personalidade firme de Lady Macbeth, são as mãos de Anandrea, que tremiam bastante durante os momentos em que ela erguia os vasos de barro. Ainda que as atuações estejam afiadas e niveladas, Anandrea apresenta uma energia de combustão, um radiancy sem fim.

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