09/07/2010

Estímulo Sonoro



Uma relação não se faz inflexível somente porque o desejo sexual existe, é palpável e inerente. O outro será figura eterna, indispensável. A ausência do outro é a reclusão, o sufoco, a não-relação, a não-ligação. Todo e qualquer um precisa formar relações, entranhar-se, deixar sua marca no outro, seu cheiro, seu carinho, seu mal humor, sua energia, seus caprichos, sua gentileza. A abstenção do contato humano é a renunciação da vida, entretanto o desapego não dura muito tempo: antes ou depois, relaciona-se, liga-se. Krzysztof Kieslowski e Juliette Binoche deixam isso claro - cristalino - em "A Liberdade É Azul" (1993).

"Inflexíveis Ligações", montagem do grupo Bacantes, não tem voz. "As Bacantes" é uma tragédia grega, de Eurípedes. A verbalização se dá no corpo, são duas mulheres e três homens com apenas uma, porém complexa, linguagem: a do corpo. E aqui as formas codificadas - cuja preparação é notável, parece que estamos num picadeiro em meio a acrobatas - tem o teatro, a dança e o circo de mãos dadas. Uma peça sem início, meio e fim é, geralmente, performática. Nesse caso ritulística também. Se o coração dela está no corpo dos integrantes, aonde estaria a cabeça? Na música. É a trilha sonora bem diversificada (música clássica, pop, oriental) a qual rege cada partezinha da peça, formando crateras no ritmo/andamento quando se faz ausente. Os estímulos sonoros são de máxima importância, assim como no "Contato Improviso", utilizado principalmente na dança contemporânea. "Inflexíveis Ligações" só respira com a regência musical, sem ela, atrai aves de rapina.

Peça interativa? É apelido! Vai ser difícil não ser tirado para dançar por um dos integrantes, mas saiba dançar, do contrário é mandado de volta ao seu lugar. Ousadia se retribui com ousadia, portanto alguns aceitaram a interação, fizeram parte da peça. Essas interações constantes objetivam romper as paredes ficcionais do teatro (ou simplesmente a quarta parede), igualando a relação ator-ator com a de ator-público.

A sexualidade é tema recorrente, assim como suas consequências: ciúme, traição, superioridade do macho, agressão e amor. Posso dizer, sem receios, que fiz parte do clímax desta peça: eu, e todos os outros que assistiam, fomos levados para o centro do palco. O casais foram surgindo, dançando, se divertindo, até que o espaço começou a ficar estreito, um aglomerado de pessoas e cheiros foi formado devido as correntes que nos circundavam. A música, naturalmente, esteve muito presente. Viva ao teatro sinestésico!

Antes de terminar, quero comentar a respeito do figurino e da maquiagem: foi estabelecido um choque entre esses dois elementos. O primeiro era clássico: ceroulas e camisas com babados. O segundo, em contrapartida, era moderno: cores berrantes cabelos arrepiados. Saí do Teatro de Câmara Túlio Piva com a certeza de que passei por uma experiência gostosa, corporal, sonora.

Ficha Técnica
Elenco: Diana Corte Real, José Renato Lopes, Edgar Benitez, Magda Schiavon e Marcos Rangel
Direção: Edgar Benitez
Figurinos: Fabrizio Rodrigues
Divulgação e Produção: o Grupo

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