13/07/2010
Pedra Lascada
" A nossa estória muda a história na busca de que um dia, ela não mais se repita"
Eduardo Okamoto
Adentramos o palco da Terreira da Tribo ao som de um hip hop. Estava ansioso para assistir minha primeira peça do Festival de Teatro Popular, mas não deu outra, o hip hop fez com que germinassem preconceito e desconforto. É somente com a entrada incendiante de Eduardo Okamoto, junto de uma viola erudita no fundo - mais tarde teríamos um encontro com Villa-Lobos -, que os pré-conceitos foram esmagados.
Okamoto encarna um dos meninos de rua que morava nas proximidades da Igreja Candelária, um dos meninos vivos, porque oito foram massacrados pela polícia militar. Essa Igreja existe, fica no Rio de Janeiro, e a fatalidade, infelizmente, também. Ficou conhecida como a chacina da Candelária, tendo ocorrido no dia 23 de Julho de 1993; a hipótese mais aceita é que os policias fariam parte de um grupo de extermínio e que foram contratados para realizar a "limpeza" do centro histórico do Rio de Janeiro.
"Agora e na Hora de Nossa Hora" revela como Pedrinha presenciou cada parte do banquete de sangue e não poupou detalhes ou esforços ao narrar o assassinato de seus amigos. Inicia a peça obcecado, atento ao mínimo ruído de algum rato que possa atrair a atenção da polícia. Sua paranóia o deixa em estado crítico, liquidar os ratos é só no que pensa. Dentro de uma arena, ele está rodeado de pedras lascadas (brita, ué) ordenadamente posicionadas, e no meio, um bueiro, lar dos ratos. A história não segue uma linearidade, vai e vem, tanto que após a primeira cena - recheada de tensão -, somos levados a um flashback que mostra as relações dos meninos de rua, seus apelidos, brincadeiras, gírias, crack, primeiro amor.
A presença cênica de Eduardo Okamoto é homérica, sua voz e postura naturais estão muito afastadas de seu personagem. A extensão do público em todas as partes nem de longe intimida Eduardo, faz-ze necessária, isso sim. A montagem, baseada em seu próprio livro e em pesquisas com crianças de rua, é, acima de tudo, intensamente realista. Aqui o trágico faz parte do cotidiano, a prematuridade é lei e o transtorno é certo. Com 26 anos, o ator paulista que viveu a pele de um menino de rua tem dez anos de trabalho - no currículo - por uma escrita do corpo. Terminou a peça encharcado, mas além de suor, seu corpo também emite fagulhas.
A casa de Deus permitiu uma chacina.
Ficha Técnica
Criação e Atuação: Eduardo Okamoto
Direção: Verônica Fabrini
Assistência de Direção: Alice Possani
Pesquisa e Execução Musical: Paula Ferrão
Música: “Bachianas Brasileiras nº 5”, Heitor Villa Lobos
Treinamento de Ator: Lume
Iluminação: Marcelo Lazzaratto
Fotografia: João Roberto Simione
Orientação: Suzi Frankl Sperber e Renato Ferracini
Produção: Daniele Sampaio
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