28/01/2010

A Doce Bárbara



A doçura bárbara de Maria Bethânia deve ter alcançado seu auge na década de 70, quando Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil formaram (com ela) "Os Doces Bárbaros". O motivo era a comemoração dos 10 anos da carreira solo de cada um. Curioso é pensar que ao invés de iniciarem juntos e mais tarde romperem, o que é tão natural, acabaram é juntando-se mais tarde. E essa junção não podia ter escolhido momento melhor, apesar do Brasil ainda estar mergulhado nos anos de chumbo.

No dia 26 de Janeiro (terça), me sentei na cadeira azul do Teatro de Câmara Túlio Piva e esperei. O anseio toma o lugar da espera e depois, a gratidão toma o lugar do anseio. E assim vão sendo tomados os sentimentos por outros, similares ou não. Atrás dos instrumentos, a cortina colorida simbolizava o sorriso escancarado e a psicodelia que é fazer parte da vida. Maria Bethânia voou da coxia, libertando sua voz. Levei um susto quando percebi que aquela figura não era um clone muito menos uma irmã gêmea, era Antônio Carlos Falcão. A saia branca, a quantidade imensa de colares e pulseiras, o cabelo armado (também místico) e os pés descalços me convenciam. O que não me convencia era a voz muito grave de Antônio. Bastou duas músicas pra mim começar a chamá-lo de Maria, na quarta já era Maria Bethânia Viana
Telles Velloso, pois havia me conquistado com seu carisma e entrega. E outra, compreendi que Antônio não quis forçar a barra, sendo o mais natural possível.

Bethânia nega sua origem baiana, afirmando que é gaúcha e que entre o côco e o chimarrão, a única diferença é o canudo. A gaúcha de Bagé tinha nascido deusa: com um molusco e dois mariscos. Recusada pela família, foi obrigada a empreitar uma odisséia: caminhar até Santo Amaro da Purificação, na Bahia.

Antônio abusa dos trejeitos mais conhecidos de Bethânia e dança com uma fluidez incrível. Intercala o repertório das músicas com seu trajeto histórico-artístico, levando a plateia à loucura quando narra seu encontro com Chico Buarque (o chiquinho): perante o regime militar, decidiram enfrentar o período turbulento com sua arte, literalmente colocando a boca no mundo. A comicidade da cena toma lugar quando os olhos escuros de Bethânia são substituídos pelos olhos de mar de Chico Buarque, numa imitação inconfundível e em absoluto engraçada. Nesse ponto, todos já estavam com os olhinhos brilhando de prazer. Chega a hora em que Bethânia avisa a todos que tenham a humildade de se concentrar, pois "não é fácil expor o lado masculino de uma mulher". Rodopia e grita até que o lado masculino penetra. Ouvimos a caliente "A Cor do Pecado", numa interpretação exagerada, histriônica.

Ao cansar, diz: "- As deusas também sentem sede". Uma das manias de Maria Bethânia (que causava riso) particularmente me chamou atenção: a batida na coxa em certos momentos da canção. Sempre fazendo piadas e agradecendo repetidas vezes. Tudo isso num tom de sátira proposital, a fim de criticar a imagem imposta pela mídia. Os outros componentes de "A Doce Bárbara" são Daniel Nodari (guitarra), Felipe Dable (Baixo) e Cesar Audi (Bateria). Tivemos a conhecida "Atiraste uma Pedra", a grandiosa e singular "Reconvexo", a robusta e revigorante "Um Índio", a aconchegante e ligeira "São João, Xangô Menino", "Trampolim" e etc.

Na hora de partir, o público clama por mais uma música. Bethânia entra novamente no palco e solta: "- Aprecio muito o carinho de vocês, mas eu não posso lhes dar um Bis. Não tenho patrocínio da Lacta." O palco escurece após presenciar duas músicas românticas, sendo a última "Negue". Saí deliciado.

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