06/02/2010

Tempo Tempo Tempo Tempo



A primeira vez que tive contato com "BAILEI NA CURVA", foi no auditório do Colégio São José, em São Leopoldo. Me encontrava com dez anos, na quarta série. A peça tinha direção da minha primeira professora de teatro, chamava-se Carina. Lembro de ter rido muito, principalmente na cena da educação sexual dada pela professora, uma freira. O que era muito relevante num Colégio essencialmente de freiras.

Depois disso, nunca mais ouvi falar da peça. Todavia, ontem fui ao São Pedro e assisti à "Bailei Na Curva", dirigida por seu diretor e roteirista legítimo, Júlio Conte. O espetáculo mais popular do teatro gaúcho, completa em 2010 vinte e sete anos. Não é apenas popular, senão regionalista e autobiográfico. Isso porque, na década de 80, Júlio Conte reuniu 8 atores e atrizes com a finalidade de confrontar um período de ditadura. o embrião foi lançado numa sala de 30 metros quadrados
no centro de Porto Alegre. Naturalmente o elenco atual está inteiramente modificado, mas o enredo e o tempo/espaço permaneceram: sete crianças, vizinhas da mesma rua de Porto Alegre, compartilham a ingenuidade e as descobertas desde a infância até a juventude, passando pelo Golpe Militar de '64 até as Diretas Já em 1983 (ano de estréia da peça original).

O protagonista não tem falas nem marcações, sendo ele a eterna passagem do tempo. Como diria Caetano Veloso, o tempo é um dos deuses mais lindos. Eu digo que o tempo cura, fere, amadurece e, acima de tudo, modifica. O primeiro beijo segue a primerira frustração amorosa, a primeira aventura de carro. Então surge o protesto e o idealismo. As coisas parecem tomar rumo quando entramos vida universitária e
encontramos emprego. Eis que a barriga cresce e (surpresa!) os amantes são agora mãe e pai ou um dos amantes morre e o outro estreita sua relação com a solidão. Há surpresa até mesmo nas curvas, onde podemos bailar em qualquer instante. Pedro, assim como muitos outros, bailou. Basta uma distração para ser roubado, ou mesmo baleado. "- Mas tudo vai melhorar com o Tancredo.", dizia Ruth, esperançosa. Gabriela feria sua esperança tocando em Sarney.

Júlio Conte possui um ótimo elenco na nova montagem: Cíntia Ferrer, Érico Ramos, Evandro Elias, Ian Ramil, Juliana Brondani, Leonardo Barison, Melissa Dornelles e Patrícia Soso. Todos com atuações no mesmo nível de qualidade, mas talvez eu faça ressalvas para com Juliana Brondani (Luciana e Marília) e Leonardo Barison (Caco e Rodrigo). Entre as mulheres, Patrícia Soso (com sua voz aguda) rouba o foco nas cenas de humor. Melissa Dornelles (Elvira e Ruth), em contrapartida,utiliza-se do grave para fazer rir, e faz. Entre os homens, Ian Ramil (Paulo Renato e Freira) me pareceu o de maior carisma. A carta-poesia escrita pela personagem de Cíntia Ferrer em homenagem à Pedro apresenta-se como um dos pontos altos da peça, é funcional e emociona. Entretanto, imagino que funcionaria melhor na voz de Melissa Dornelles, se bem projetada.

Saindo do São Pedro com passos largos para não perder o último trem, meu namorado perguntou se eu havia gostado da peça. Respondi que sim, havia adorado. Completei minha resposta adicionando que talvez não a achasse assim, não fosse a condição de ser brasileiro e, mais que isso, gaúcho. Me pego olhando para a montagem atual de "Bailei Na Curva" como quem olha para um quadro impecável, porém em decomposição. Quadro esse que um dia teve suas cores e pinceladas muito mais vivas, a ponto de saltar da tela. Em 2010, pergunto-me: onde terá ficado a sincronicidade entre a peça e o momento histórico?

Horizontes...

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