29/09/2010

Ih, Teatro Contemporâneo



“Vieram aqui fazer o quê?”, pergunta a personagem de Emílio de Mello em direção à vasta plateia do Theatro São Pedro. A primeira reação foi a gargalhada e a certeza de que In On It seria um grande espetáculo. Mais tarde acabaria descobrindo que o objetivo desse espetáculo é, justamente, não ser um espetáculo. E sim, ser uma peça. Uma simples peça de teatro. Sem pretensão estética ou deslumbramento. O teatro, em si, almeja causar impacto emocional e identificação por parte da plateia. A montagem carioca In On It surpreende ao não querer surpreender.

O texto do canadense Daniel MacIvor formou uma aliança com a direção de Enrique Diaz, sob um olhar satírico. Uma peça que não leva a sério nem a si mesma, pode ser arriscada. Mas não é o caso, aqui a sátira se encaixa muito bem. Rimos de nós mesmos e da porcaria do mundo em que vivemos/construímos. A ausência de cenário passa praticamente despercebida, pois todos os outros aspectos promovem um envolvimento íntimo com o espectador: o texto ousadíssimo, a direção precisa e as atuações impecavelmente naturais. Tal afinco resultou em dois Prêmios Shell (direção e ator, Fernando Eiras). Sobre o figurino, não consegui compreender seu significado. Por que diabos a dupla usava roupa social? Tirando o All Star de Emílio de Mello, ambos estavam idênticos. O que está claro, é que aí a sátira também encontra moradia. Existem algumas passagens muito curiosas, onde os atores estão em planos diferentes (um não vê o rosto do outro), mas ainda assim contracenam, dialogam. É como se um pseudo monólogo nos fosse apresentado, e essa atuação individual é muito enriquecedora para a pesquisa cênica e para a visualização de quem está sentado no teatro.



O diálogo entre um escritor (Fernando Eiras) e um ator (Emílio de Mello) é apresentado de forma original e inovadora. As personagens não são, de forma nenhuma, fixas: ao mesmo tempo em que vemos um ator questionando seu roteirista a respeito da forma como deve interpretar, também visualizamos um paciente e seu médico, filho e pai, homem e mulher, casal de namorados (homens) em crise. Então não se trata de um laço que une dois homens. Mas de um emaranhado de laços que vão, um a um, sendo desatados pela indiferença, traição, falta de comunicação e conflito de ideias. Porém, o nó desfeito pode renascer ainda mais forte. Basta que a comunicação e os sentimentos sejam claros ou esclarecidos. Nada disso nos é apresentado de forma linear, a troca de luz avisa: uma nova personagem será invocada, uma nova relação será estabelecida. As conseqüências dessa estrutura narrativa somadas ao despojamento estético resultam em uma peça fragmentada, cheia de histórias paralelas que se fundem em uma só: o romance vivido entre Terry e Lloyd.

O ator acusa o roteirista de ter problemas com as mulheres, mas este nega veemente com gestos e voz femininos, provocando forte riso na platéia. Reafirma sua acusação ao dizer que o roteirista cria sempre mulheres bêbadas e com personalidades rasas em sua linha dramatúrgica, além de citar uma cena específica, na qual a mulher joga o casaco do marido no chão, enraivecida. A contradição humana é exposta quando a dupla (ator e roteirista) briga por um casaco, embate mais do que superficial, revisitando a própria cena antes condenada pelo ator. Como diria Fernando Pessoa: amar é aceitar a condição de ridículo.

In On It explora o não-dito, a intenção, o negativo fotográfico e, em suma: está Por Dentro. A desconstrução da linguagem teatral e a metalinguagem trabalham muito bem com o formato despretensioso, provando que pequenas produções (dois atores, uma cadeira e um casaco) podem dar certo. Que o grande teatro se faz com criatividade e talento, prescindindo de parafernálias.



Ficha Técnica
Texto: Daniel MacIvor
Tradução: Daniele Ávila
Direção: Enrique Diaz
Assistente de direção: Pedro Freire
Direção de cena: Marcos Lesqueves
Coreografia: Mabel Tude
Consultoria de movimento: Marcia Rubin
Técnica Alexander: Valéria Campos
Elenco: Emilio de Mello e Fernando Eiras
Figurino: Luciana Cardoso
Cenário: Domingos de Alcântara
Iluminação: Maneco Quinderé
Trilha sonora: Lucas Marcier
Produção: Enrique Diaz
Duração: 1h20min

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