20/04/2010

Pompa de Porca



"Mães & Sogras"
ainda me soa como um título banal. Demorei para decidir se investiria ou não no ingresso da peça de Marcelo Adams. Pois investi, e valeu. Por mais que não consiga acompanhar do início ao fim, sou apaixonado por textos astuciosos – com longas falas e muita informação – como este, de Leando Sarmatz. É o tipo de texto que, com a dramatização de Margarida Leoni Peixoto e Naiara Harry, nos deixa com a sensação de tontura, provendo barris de informação que vão se entralaçando até formar o produto final: a frustração materna e a loucura.

Retratando as situações trágicas e cômicas da classe média judaica no Brasil, Adams dirige a peça sendo delicado e suficientemente cuidadoso, sabendo utilizar artifícios, como a barra de metal na composição do ônibus lotado. Sua esposa, Margarida, encarna Bella Molodóvski, a figura típica da mãe judia: superprotetora e rancorosa. Não suporta ser rejeitada pela nora (Carla Gasperin), principalmente quando esta “rouba” o afeto do filho Roberto e, pior ainda, não é judia. O preconceito também é uma característica muito forte da classe média retratada, esses imigrantes da Europa Oriental que fugiam em busca do desejo de qualquer ser humano: uma vida melhor.

Amicíssimas há anos, Bella e Anita (Naiara Harry) revelam-se perplexas – mais que isso, horrorizadas – com a situação da juventude e com os novos valores. Elas fazem questão de exibir a preocupação com muitos exageros e sempre desviando para fofocas mesquinhas, proporcionando uma atmosfera burlesca e satírica. Especulam até mesmo o presunto gordo comprado por um viúvo no supermercado! Anita tem a aparência de mulher mais cansada do que a amiga, a maquiagem e a voz delineiam isso muito bem. O cenário fixo é o mesmo, inclusive me intrigava, era um paredão de fundo com radiografias gigantescas expondo partes do esqueleto humano, imaginei que isso tivesse alguma ligação com as centenas de doenças cantadas na primeira canção: “A Gente Se Conhece Há Tantos Anos!”. Já o cenário móvel vai de sala de estar até supermercado.

As gargalhadas do público minguado custaram a vir, acredito que o ponto de partida foi a cena do chá: Bella e Anita, as amigas avarentas e desconfiadas, devoram bolachinhas e bebem chá ao passo que, empanturradas, prosseguem com a monotonia de sua conversa. O triunfo do humor é o tempo. As gargalhadas só vieram com a eloquência do silêncio das madames, nas pausas do diálogo. São momentos em que nos preocupamos com o que vai ser falado a seguir ou simplesmente refletimos a respeito do assunto anterior. O modo como as duas comem e falam dos outros, revelam duas porcas em potencial. É ridículo. É ótimo.

O derramamento sentimental de Bella Molodóvski é um dos pilares de “Mães & Sogras”. Martiriza-se por ter sido trocada pela nora e sente-se mal agradecida pelo filho. Ela, que tanto sacrificou-se pelo aconchego do filho, agora não recebe sequer uma carta, uma vez que Roberto e sua mulher (grávida) mudaram-se para os Estados Unidos há quatro anos atrás. Acontece que Bella não admite pra si mesma que a reação do filho repousa encima da ação dela, já que foi categórica ao dizer que não queria ver de perto a filha de uma mãe gói (sua nora), menos ainda a própria gói. A ausência do filho Roberto formou uma mulher dissimulada e muito fragilizada por dentro. Tanto que, no último ato, Bella enlouqueçe tornando-se esquizofrênica. Nesse ponto, a linha entre o que é trágico e o que é cômico é delgada.

Ficha Técnica
Texto: Leandro Sarmatz
Direção: Marcelo Adams
Elenco: Margarida Leoni Peixoto, Naiara Harry, Carla Gasperin, Claudia Lewis e Rafael Ferrari
Cenografia: Rodrigo Lopes
Figurinos: Rô Cortinhas
Iluminação: Fernando Ochôa
Trilha sonora: Marcelo Adams e Rafael Ferrari
Produção: Cia. de Teatro ao Quadrado e Rodrigo Ruiz
Coreografias: Carlota Albuquerque
Fotos: Júlio Appel
Criação gráfica: Dídi Jucá
Bilheteria: Renata Savaris
Sonoplastia: Rodrigo Ruiz
Divulgação: Bebê Baumgarten
Financiamento: Fumproarte
Patrocínio: Banrisul
Realização: Cia. de Teatro ao Quadrado

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